Uma alimentação low carb high fat (LCHF) pode ajudar na performance da atividade física?

Quando se fala em emagrecer, tratar e prevenir inúmeras doenças, há uma enorme quantidade de estudos de alto nível mostrando a eficácia e segurança de um estilo alimentar com baixo teor de carboidrato . Abaixo listo alguns:

Mas qual seria a relação entre a atividade física e uma alimentação low carb (pouco carboidrato)?

Há uma crença bem difundida na cabeça de muitas pessoas associando o alto consumo de carboidrato com alta performance. Mas será que a má performance está associada a uma dieta restrita em carboidratos?

Será que existe algum estudo (de alto nível) que possa nos auxiliar nessa questão? Sim! 😀

Já vimos que uma dieta cetogênica pode ajudar BASTANTE atletas de ultra resistência. Mas será que existe outro estudo TÃO BOM?

Antes de ver os estudos, é importante sabermos o que pode ajudar a otimizar a performance na atividade física de um modo geral. Para isso, três pontos são importantes:

  • força (músculos são importantes);
  • leveza (eliminar gordura). Então, em vários esportes, quanto mais leve (menos gordura) e mais forte (mais músculo) melhor;
  • resistência.

Agora, podemos voltar às análises.

Este estudo verificou os efeitos de uma dieta cetogênica sobre o metabolismo do exercício e o desempenho físico em ciclistas off-road.

“Pode-se concluir que as dietas de alto teor de gordura, a longo prazo, podem ser favoráveis para os atletas de resistência aeróbia, durante a estação preparatória, quando predominam um alto volume e uma intensidade baixa ou moderada das cargas no processo de treinamento. O treinamento de alto volume em uma dieta cetogênica aumenta o metabolismo da gordura durante o exercício, reduz a massa corporal e o conteúdo de gordura e diminui o prejuízo muscular pós-exercício...”

Este outro estudo analisou a composição corporal e as respostas hormonais a uma dieta restrita em carboidratos.

“O estudo incentivou indivíduos com peso normal a consumir energia adequada para manter o peso corporal durante 6 semanas. O grupo da dieta LCHF (low carb, high fat) diminuiu a massa gorda em média 3,4kg e aumentou a massa magra em média 1,1kg.  Não houve alterações significativas no corpo, composição ou hormônios no grupo controle.”

Mais um estudo: o treinamento de resistência em mulheres com sobrepeso em uma dieta cetogênica mantém massa corporal magra e reduz a gordura corporal.

“Um estudo com 18 mulheres não treinadas, entre 20 e 40 e com sobrepeso mostrou que uma dieta LCHF em combinação com treinamento de resistência durante 10 semanas reduziu o peso corporal e a massa gorda, mantendo a massa magra, enquanto que o treinamento de resistência em combinação com uma dieta regular de carboidratos aumentou a massa magra, mas manteve a massa gorda”.

E sobre o efeito da dieta LCHF no desempenho do exercício de resistência?

É bastante comum nutricionistas esportivos defenderem dietas com alto teor de carboidratos para atletas com o objetivo de garantir glicogênio muscular suficiente durante a prática da atividade física.

Mas o que acontece com o glicogênio em atletas que consomem pouco carboidrato?

Vejamos este estudo que analisou o desempenho de ciclistas de elite numa “rodagem” de 2 horas, divididos em dois grupos: um com LCHF, inclusive tendo feito jejum durante a noite anterior; e outro com a dieta padrão.  Os dois grupos tiveram uma redução significativa no glicogênio muscular do pré ao pós-exercício, no entanto, a taxa de utilização média foi significativamente menor no grupo LCHF. Ou seja, o grupo LCHF utilizou MENOS o glicogênio muscular. Veja gráfico abaixo:

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A longo prazo, a adaptação a uma dieta LCHF produz enormes benefícios metabólicos, incluindo uma maior taxa de oxidação da gordura e taxas mais baixas de oxidação de carboidratos e glicogenólise como visto neste estudo: “Metabolic characteristics of keto-adapted ultra-endurance runners“.

Este outro analisou a resposta metabólica humana quando induzida à cetose associada à prática de atividade intensa em ciclistas bem treinados. Neste estudo, 5 ciclistas bem treinados seguiram uma dieta cetogênica por 4 semanas. Observou-se que houve  uma queda de três vezes na oxidação da glicose (de 15,1 a 5,1 mg / kg / min) e uma redução de quatro vezes no uso de glicogênio muscular (0,61 a 0,13 mmol / kg / min).
O estudo concluiu: “Estes resultados indicam que o exercício de resistência aeróbia por ciclistas bem treinados não foi comprometido por quatro semanas de cetose.”.

Já este outro estudo revelou que os atletas de ultrarresistência que consumiram dietas LCHF durante pelo menos 6 meses alcançaram maior intensidade de pico de exercício suportada por oxidação de gordura do que os atletas na dieta HCLF. Esses atletas adaptados à LCHF também mostraram uma maior taxa de oxidação de gordura (LCHF: 1,54 ± 0,18; HCLF: 0,67 ± 0,14 g / min) e uma menor taxa de oxidação de carboidratos durante o exercício prolongado, com 64% VO2max. 

Este estudo indicou que os atletas de resistência poderiam manter o conteúdo, a utilização e a recuperação normal do glicogênio muscular após a adaptação a longo prazo às dietas LCHF.

Nesses eventos, os atletas adaptados à LCHF podem manter maior intensidade de exercício relativo durante a maior parte da distância, preservando o glicogênio muscular para sprints na fase posterior das competições.

Para finalizar, este estudo revelou que a dieta cetogênica não afeta o desempenho de força em ginastas artísticas de elite.  No resultado, não foram  detectadas diferenças significativas entre a dieta cetogênica e a dieta ocidental em todos os testes de resistência. Porém, foram encontradas diferenças significativas no peso corporal e na composição corporal: após a cetogênica, houve diminuição do peso corporal (de 69,6 ± 7,3 Kg para 68,0 ± 7,5 Kg) e da massa gorda (de 5,3 ± 1,3 Kg para 3,4 ± 0,8 Kg p <0,001), com um aumento não significativo na massa muscular.

Corrida e Low Carb combinam?

Frequentemente recebo perguntas do tipo: “Você corre maratona e ultramaratona comendo pouco carboidrato?“, “Se você come pouco carboidrato, de onde vem sua energia?“, “É possível ter boa performance comendo pouco carboidrato?” e por aí vai…

Bem, já corri algumas maratonas e ultramaratonas consumindo quase nada de carboidrato. Por exemplo, fiz o meu melhor tempo, 2:55:10, na Maratona de Boston, em 2017, consumindo pouco carboidrato; e já corri 100 km consumindo pouco carboidrato. Mas será que eu sou um um caso excepcional? Será que fui modificado geneticamente? Será que sou um caso pra ser estudado?

Vamos lá… Nossos genes levam de 40 mil a 70 mil anos pra se adaptar a algumas condições e o homem evoluiu centenas de milhares de anos comendo low carb, logo, nosso corpo funciona MUITO bem com pouco carboidrato.

A humanidade começou a consumir carboidratos em excesso do período da agricultura pra cá, há menos de 10 mil anos. É bastante tempo, mas não nesse cenário.

No contexto evolutivo é muito fácil entender, mas será que existe algum estudo de alto nível em humanos? Vou te dar uma boa notícia: sim!

O estudo se chama Metabolic characteristics of keto-adapted ultra-endurance runners. Traduzindo: “Características metabólicas de corredores de ultrarresistência adaptados à dieta cetogênica.”

Dieta cetogênica (padrão) é uma dieta com alta restrição de carboidratos, moderada em proteína e rica em gordura. Normalmente, a proporção de ingestão calórica é: 60/70% de gordura, 20/30% de proteína e 5/10% de carboidratos.

Para o estudo, foram recrutados 20 atletas (ultramaratonistas e de iron man) de elite e divididos em 2 grupos. Um grupo de 10 integrantes consumiu uma dieta baixa em carboidratos LC (10% de carboidratos, 19% de proteínas e 70% de gorduras) e o outro consumiu uma dieta rica em carboidratos HC (59% de carboidratos, 14% de proteínas e 25% de gorduras) por um período médio de 20 meses.

Só um detalhe: os ultramaratonistas competiam em provas com distâncias entre 80 e 161 km. E ainda vejo um monte de gente perguntando se é possível correr 5 km sem suplementar carboidrato. 😉

Eles realizaram um teste de exercício máximo e uma corrida de 180 minutos, em 64% do VO2max, em uma esteira para determinar as respostas metabólicas.

Resultados:

oxidação da gordura

A oxidação da gordura foi de 2 a 3 vezes maior no grupo que consumiu pouco carboidrato e ocorreu uma maior porcentagem do VO2max (70,3% no grupo LC e 54,9% no HC). A oxidação média de gordura durante o exercício submáximo foi 59% maior no grupo LC. Isso significa que o grupo LC usou MUITO mais própria a gordura corporal como fonte de energia.

Glicogênio muscular

E sobre o glicogênio muscular? Existe uma falácia enorme de que uma dieta LC consome bastante dos músculos, não é? O estudo mostrou que não houve diferenças significativas no glicogênio muscular em repouso e no nível de depleção após 180 minutos de corrida (- 64% do pré-exercício) e 120 minutos de recuperação (- 36% do pré-exercício).

Como é sabido pelos maratonistas que praticam low carb, aquele “paredão” do km 30 de uma maratona não existe. Claro! Se nós temos uma fonte de energia praticamente inesgotável, que é a própria gordura corporal, por que não utilizá-la de forma eficiente?

A conclusão do estudo foi:

Comparado aos atletas de ultra-resistência altamente treinados que consomem uma dieta de HC, a adaptação de cetogênica a longo prazo resulta em taxas extraordinariamente elevadas de oxidação de gordura, enquanto a utilização de glicogênio muscular e os padrões de repleção durante e após uma corrida de 3 horas são semelhantes.

Fonte: https://goo.gl/MPCiW5